A presença da mulher em qualquer cenário do futebol segue tendo a barreira do preconceito a ser quebrada. No mundo dos e-sports, não é diferente. O lado positivo é que portas já foram abertas com meninas mostrando ter o mesmo talento de moleques e ‘marmanjos’ da modalidade.
No Brasil, algumas referências já existem e servem de motivação para outros nomes. Uma que deixou seu nome dentro da modalidade é Isabelle Santos, de 19 anos, formada em eletromecânica. Ela foi a primeira mulher do país a assinar um contrato profissional com uma equipe. Em 2019, ela firmou acordo com o Galo E-Sports, participando do Campeonato Brasileiro de PES. Ela também foi nomeada embaixadora do projeto ‘Ladies’ da CBFDV (Confederação Brasileira de Futebol Digital e Virtual), que acabou sendo desativado depois de entrar em ação em 2018.
“Depois de mim, vieram outras, isso fez com que mais pessoas conhecessem a presença feminina. Fiquei surpresa quando assinei o contrato, tudo que eu queria era ser profissional desta área. Foi uma época muito bacana, mas a questão de remuneração ainda dificulta. Eu estava estudando e trabalhando, não deu pra conciliar com os treinos, não tinha o devido tempo para me dedicar”, conta Isabelle, natural de Goiânia.
Outros nomes vieram na sequência para deixar claro o potencial feminino, que segue ganhando mais espaço. Uma importante conquista foi a criação do Cinderellas Esports, equipe que conta somente com meninas, tendo como capitã Thata Gamer, de 29 anos. Formada em Direito, ela hoje atua como criadora de conteúdo voltado ao FIFA. Thata Gamer foi corajosa ao deixar a carreira profissional para ‘se jogar’ no mundo do futebol virtual. “Atualmente, eu vivo da renda que tenho fazendo lives pelo Twitch. Hoje, sinto que estou vivendo meu sonho com muita dedicação todos os dias pra conquistar mais espaço nesse meio”, comemora.
Quem também consegue viver da modalidade é Monik Bisoni, atleta contratada pela Ferroviária (SP) a partir de 2020. “Tive que ter muita paciência. Achava injusto não ter chance de representar um clube. A Ferroviária me abriu as portas para mostrar meu potencial, e me deu um contrato, só tenho a agradecer a esse clube grande e de coração maior ainda, eu amo esse time e viveria por ele”, agradece. “As meninas pensam duas vezes antes de sair de casa para ir para um lugar onde só tem você de mulher. Ainda por cima, precisamos jogar campeonatos sozinha em meio a vários homens que, na maioria das vezes, te olham com desprezo”, compara.
Preconceito
Isabelle precisou, na marra, quebrar o tabu na mentalidade de muitos que insistem em pensar que qualquer tipo de futebol não deve contar com a presença feminina. “Apesar do avanço, essa é uma realidade, já passei por situações de pessoas que duvidaram da minha capacidade, desdenharam do que eu podia fazer. O legal é ver que, nos eventos, a torcida costuma estar do nosso lado”, revela.
Entre as vitórias marcantes de Isabelle, triunfo sobre uma concorrente direta (Monik) no 1º Campeonato Feminino de PES, que teve grande visibilidade. Ela também guarda com carinho vitória de 4 a 1 sobre Babu, quando superou o nervosismo em uma atuação que lhe rendeu goleada. “Até hoje, a gente brinca com ele sobre isso”, descontrai. A paixão pelo PES faz Isabelle considerar seriamente o retorno às atividades.
Monik, uma das poucas que vive dos e-sports, reconhece o crescimento da presença feminina, mas acho que os passos dados ainda estão aquém do ideal. “Esse crescimento acontece de uma maneira muito lenta, o preconceito é enorme. Estamos falando de um universo muito masculino, 90% são homens. Desde quando comecei até agora, conquistamos um grupo com umas 25 meninas da América do Sul toda”, compara.
“Acredito que as barreiras serão rompidas em breve, quando todas se juntarem de verdade. Isso poderia já ter acontecido, mas acredito que falte mais maturidade e conhecimento para saber que juntas somos mais fortes. Futuramente, gostaria de uma equipe do modo x11 somente com mulheres para mostrarmos nosso potencial em alto nível. Chega a ser hilário, uma mulher sofrer até mesmo para jogar video game, muitos homens não nos enxergam com a mesma competência intelectual”, afirma. Prestes a completar 10 anos de experiência no PES, Kamylle Tuller vê o preconceito como motivação para mostrar o potencial de muitas meninas. “De cinco anos pra cá, o cenário tem mudado muito. Já vemos meninas com bastante potencial, ainda vemos piada e falas agressivos, mas são barreiras que serão quebradas”, comenta. Depois de defender Bangu e Flamengo, hoje ela atua na equipe Dream Team e recebeu, recentemente, convite para representar seu time em uma liga argentina.
Por: Daniel Ottoni