O racismo que se apresenta no Brasil com tanta força também dá as caras no mundo dos esportes eletrônicos. Estar atrás de uma tela de computador ou telefone celular parece encorajar covardes e preconceituosos para atacar pessoas com gênero, raça ou opção sexual diferente.
Negros que praticam os e-sports sofrem com mensagens de vários tipos baseadas na cor da sua pele, precisando conviver com situações que, infelizmente, também acontecem com alguma frequências nas ruas, no trabalho e em outros locais de convívio.
“A falsa sensação de impunidade dá mais conforto e abertura para que as pessoas possam fazer esses tipo de ataque. É necessário um posicionamento mais rígido das plataformas de streamming nas apurações dos fatos”, comenta Guilherme Borges, de 30 anos e Administrador de Banco de Dados, que atua na cena desde 2003, hoje disputando campeonatos de COD Warzone.
Espelho da sociedade
A situação sócio-econômica do país, com brancos e pardos tendo melhores condições financeiras e oportunidades, limita a atuação dos negros também em funções como de streamers e players, uma vez que a dificuldade para muitos desta etnia são maiores para aquisição de equipamentos e investimentos de cursos de aperfeiçoamento.
“As diferenças são grandes, desde acessibilidade aos equipamentos de alto desempenho até o preconceito racial de uma forma geral. Hoje, nos e-sports, todos atletas competem em alto nível e isso demanda tempo e investimento. É preciso tempo para que o atleta possa treinar, além de investimento financeiro para competir no mais alto nível. A realidade da maioria dos negros é distinta. Há muitos anos, eu precisava pedir a um amigo dono de lan house para trabalhar para ele em troca de poder usar as máquinas para treinar”, lembra Guilherme.
“Uma pessoa com melhor condição financeira tem disposição de tempo e um equipamento favorável para treinar seis a oito horas por dia, alguns não precisam trabalhar. Outros, entre eles muitos negros, precisam ajudar em casa, trabalhar fora e treinar, isso quando tem o equipamento, cerca de uma a duas horas por dia. É uma comparação desleal”, reforça.
Tal desequilíbrio também se reflete nas oportunidades de quem tem a missão de servir como referência na transmissão de informações, conhecimento e entretenimento, mostrando umas ideias que também atinge empresas responsáveis pela formação de público.
“Existe um racismo institucional. Quantos negros estão em times de ponta ou nem isso, quantos negros têm a oportunidade de estar nas arquibancadas acompanhando os campeonatos?”, indaga William Reis, diretor executivo do AfroReggae, responsável pelo projeto AfroGames, criado em 2019, que tem como meta furar essa bolha e ser uma forma de política afirmativa para inserir populações excluídas, além de grupos étnicos que são historicamente perseguidos pela sociedade.
Combate permanente
A pandemia aumentou as relações no mundo virtual e o combate de situações de preconceito se tornou muito mais digital do que presencial, com a opção de ‘bloqueio’ e ‘denunciar’ sendo armas que podem colaborar para identificar e punir os responsáveis.
O simples fato da cor da pele obriga muitos a conviverem com ameaças e injúrias que dificilmente vão acontecer com outras pessoas que, neste quesito, são mais favorecidas.
“Já sofri com racismo velado e outros xingamentos nada legais de cunho racista. Alguns descobrem que estaremos em uma transmissão e fazem questão de entrar somente para nos xingar. É algo constante e bem triste. Na minha primeira doação de stream, um rapaz me doou R$ 1 real somente para me xingar pela minha cor e deficiência. O rapaz disse, que se fosse possível, viria metralhar minha casa e minha família”, conta o streamer Rodrigo Rafael da Silva Mello, 29 anos, que também é deficiente e faz parte da comunidade LGBT.
“A nossa sociedade é toda preconceituosa e isso reflete no cenário. Sofro machismo e racismo e vejo outras pessoas passarem por diversas situações de preconceito. Cabe a nós agirmos de forma anti-racista. Sofro racismo desde a minha existência, não fico tão abalada como pode parecer, muito pelo contrário, uso isso como força pra seguir em frente. Sei que não vai ser a primeira e nem última vez que vai acontecer. Há muito preconceito, o cenário tem muito que evoluir e ser mais inclusivo em diversas pautas. Somos excluídos muitas vezes da cena do e-sports, nem consideram que estamos lá produzindo, criando conteúdo e trabalhando duro para estar lá”, analisa Rafaela Martins, de 22 anos, streamer e estudante de psicologia.
Por Daniel Ottoni
Imagens: AfroReggae